Crónica de Jorge C Ferreira
Uma vida e um País
Os momentos passados, os lembrados e os esquecidos. A memória selectiva e o momento único. O tal que nos marcou para a vida. A intensidade dos sentimentos. A vida a passar. Tudo passa. Tudo conta. Tudo apressa as decisões e as ilusões. Pedaços de tempo que nos questionam frequentemente. Dúvidas, saudades, alegrias e desgostos. Um caldeirão de emoções. Os corpos que tremem tantos anos depois.
Somos uma espécie de armazém ambulante de saberes. Em nós moram muitos dos livros que lemos, dos filmes que vimos, das músicas que escutámos, do que vimos nos palcos do teatro, dos concertos especiais e íntimos, de tudo o que vivemos, do que não tivemos coragem de viver e ainda hoje nos arrependemos. Tantas dúvidas num mundo cheio de falsas certezas. Por vezes, tanta vontade de voltar atrás. De reescrever a nossa história. Esqueçamos isso, apesar dos que afirmam que nada é impossível.
Pode-se mudar de vida, deixar de beber e de fumar, perder e alcançar a fé, ser refém e alcançar a liberdade e sei lá quantas outras questões. Mas, mudar o já feito e fazer de novo, não há hipótese. Está feito, está feito, nada a fazer. Encaixar tudo e tentar lidar o melhor possível com tudo. Assim embrulhamos o passado. Assim passamos a viver o presente com um olho no futuro.
Foram muitas manhãs, muitos dias, muitas noites. Foi muito caminho percorrido, muita beleza que considerámos ser intangível e onde conseguimos tocar, muitos nascimentos e muitas mortes. Muitos baptismos e muitas missas de corpo presente. Muitos sacramentos. Muitas juras. Muitos pedintes à porta das igrejas. Muitos vendilhões dos templos. Muitas procissões. O copo e vela a dez tostões. Os anjinhos e as Irmandades. Todo um ritual a percorrer ruas com colchas nas janelas. Os cânticos. O António e o Cerejeira. Tempos de que ainda me lembro e, no entanto, tempos que parecem tão antigos. Tantos foram os homens que carregaram aqueles andores. Tantos turíbulos incensaram aquelas imagens.
“O amor é fogo que arde sem se ver.”, escreveu o Poeta. Estes fogos que vejo arder parecem obras demoníacas. Dizem que os incêndios movimentam muitos interesses. Falam-me sobre o olhar incendiado dos pirómanos e sobre todo o desleixo que grassa no ordenamento do território e da floresta. Os meios para combater os incêndios são escassos. Chegam aviões de vários países. A água que se despeja sobre o desespero.
Estou em Coimbra e encontro uma situação que pensava impossível. Em Coimbra B não faziam ideia de quando haveria um comboio para Lisboa. Na Rodoviária era o caos. Consegui dois bilhetes para Lisboa num expresso que passava por Fátima. Dizem-me que tive muita sorte! A ver vamos, como dizia um colega do meu Avô.
Ontem tive a noção perfeita de que as infraestruturas em Portugal são deploráveis e como é fácil cortar este país ao meio. Quando chegámos a casa, foi um sossego. Apesar das maleitas, o cansaço fez com que adormecesse e descansasse.
Acordei já de manhã e estava noutro dia. Outra aventura.
«Já era tempo de te deixares dessas aventuras. Estou farta de te avisar.»
Fala da Isaurinda.
«Tinha mesmo de ir. Tu sabes bem o motivo. Era obrigatório.»
Respondo.
«Sim, compreendo, mas tens de saber defender-te.»
De novo Isaurinda, e vai, de mãos postas.
Jorge C Ferreira Setembro/2024(449)
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